O trabalho com as vogais planetárias é uma parte popular das práticas de ocultistas contemporâneos. Tudo começa na Antiguidade: os Papiros Mágicos Gregos (sempre eles), a biblioteca de Nag Hammadi e antigos amuletos do começo da era cristã atestam a legitimidade dessas práticas no mundo antigo – apesar que é claro que é impossível ter uma ideia exata de quando elas se originam, afinal é da natureza das evidências via registros que elas só possam nos dar uma ideia da data mais tardia em as coisas eram feitas… para não falar nada na questão da sua sobrevivência.
Em todo caso, desde que o trabalho com os PGM se popularizou, após a publicação de Hans Dieter Betz das traduções dos papiros para o inglês na década de 1980, isso tem sido algo que a gente encontra com frequência nos meios ocultistas, seja em volumes como o Hermetic Magic do Stephen Flowers, seja nos livros de magia planetária da Sorita D’este/David Rankine ou Melita Dennings/Oswald Phillips, seja no material do Jason Miller. Mas vamos deixar a questão histórica para uma outra hora. O nosso texto de hoje tem um caráter mais prático.
Porém, antes de prosseguirmos, gostaria de deixar aqui um aviso: para quem quiser aprender magia com a gente, anuncio que temos um curso novo aqui no site! Vamos abrir agora em agosto a primeira turma do curso de Criação e Manutenção de Ferramentas Mágicas, em colaboração com a Juliana Ponzilacqua, responsável pelo Colégio Ordo Noctuae (links aqui para o seu blog, Instagram, Tuíter e canal de Telegram).
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O que são as vogais planetárias?
O alfabeto latino trabalha com o registro de apenas cinco vogais, A, E, I, O, U. Na prática, idiomas como o nosso português contam com uma variedade bem maior do que isso, como aprendemos nas aulas básicas de fonética e fonologia, mas é com isso que a escrita vai se virar. Agora, se for olhar o alfabeto grego, você vai reparar que há 7 vogais registradas: alfa, épsilon, eta, iota, ômicron, úpsilon e ômega, nessa ordem. Embora a noção hermética de que o que está em cima é como o que está abaixo só venha a ser codificada na Tábua de Esmeralda por volta do ano mil da era cristã, a ideia em si é obviamente antiquíssima e pode ser observada inclusive nessa tendência generalizada da magia de se associar as letras do alfabeto aos componentes do cosmos. O misticismo judaico vai fazer isso com as consoantes hebraicas no Sefer Yetzirah, e um movimento parecido se observa no árabe, que tem também uma letra para cada uma das 28 mansões lunares.
A ordem padrão dos sete planetas da astrologia clássica, indo do mais próximo da Terra para o mais distante, é: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno. Quando aplicamos essa sequência para a sequência das vogais gregas, chega-se à seguinte correspondência:
- Alfa (Α, α), transcrito como A, com o som de A mesmo: a Lua.
- Épsilon (Ε, ε) frequentemente transcrito como E, com o som de Ê fechado: Mercúrio.
- Eta (Η, η) frequentemente transcrito como Ē, com o som de É aberto: Vênus.
- Iota (Ι, ι), transcrito como I com o som de I: Sol.
- Ômicron (Ο, ο), frequentemente transcrito como O, com o som de Ô fechado: Marte.
- Úpsilon (Υ, υ), frequentemente transcrito como Y, com o som aproximado de U1: Júpiter.
- Ômega (Ω, ω), frequentemente transcrito como Ō, com o som de Ó aberto: Saturno.
Bom frisar que tem outros sistemas de se pronunciar as vogais que podem ser mais exatos em relação a como se imagina que seria a pronúncia mais antiga, mas esse é o padrão das 7 vogais utilizado na magia contemporânea. Vocês também vão observar que a sequência das 7 vogais juntas aparece nos PGM em momentos como na Liturgia de Mithras: AEĒIOYŌ é um poderoso nome divino, representando Deus em sua dimensão imanente, que permeia todo o cosmos, da esfera da Lua até Saturno.
Quem acompanha este site desde antigamente, já me viu utilizar o trabalho com essas vogais num ritual de banimento que eu publiquei em 2020. E quem fez o nosso curso de Magia Astrológica também aprendeu a usá-las no contexto de um ritual planetário. Agora pretendo compartilhar aqui mais três formas de usá-las, que são bastante simples e qualquer um que tenha interesse pelo hermetismo ou magia planetária pode incluir na sua prática.
Harmonizando o ambiente.
Vamos supor que você tenha feito um ritual com Saturno. Saturno é um planeta difícil, para usarmos um eufemismo, mas sua energia é muito útil para se impor limites, motivo pelo qual ela é frequentemente usada em trabalhos de proteção. Sua influência, no entanto, não se presta a funções mais construtivas, como magia de prosperidade, por exemplo. Quando invocamos as forças de Saturno, é claro que nós vamos despachá-las ao término do ritual e até mesmo fazer um banimento depois. Porém, como sabe qualquer um que já tenha lavado um copo de plástico engordurado, às vezes é preciso um esforço maior para tirar esses resquícios. Assim como você não quer sentir o gosto residual de gordura de linguiça frita na sua coquinha gelada, você também não vai querer a influência depressora de Saturno num ritual de Júpiter. Por esse motivo, a não ser que você tenha sete salas separadas só para os trabalhos mágicos de cada planeta, é legal fazer alguma coisa entre um ritual e outro.
Os rituais de banimento mais comuns não vão fazer essa limpeza, até porque eles têm como base o Ritual menor do Pentagrama (RmP) – e quem estudou o sistema da Golden Dawn sabe que o pentagrama nesse contexto se refere ao microcosmo, i.e. aos quatro elementos, e não aos planetas. Para se fazer esse trabalho de neutralização de energia planetária, recorre-se à função de banimento do Ritual menor do Hexagrama (RmH). Mas há uma forma mais simples de se fazer isso que não envolve ter que se embrenhar com todo o currículo da GD. Para harmonizar um ambiente entre um trabalho planetário e outro, ou mesmo após alguma atividade intensamente relacionada a um planeta específico, podemos fazer um ritual simples de circumambulação com as sete vogais.
Começando no leste, estenda a sua varinha (ou a sua mão dominante, com os dedos indicador e médio estendidos) à sua frente e entoe a vogal I. Agora você vai fazer a circumambulação no espaço com o braço estendido, na direção horária, cantando as outras vogais. Do leste, siga para o sudeste, com a vogal U. Do sudeste, para o sul, com a vogal Ô. Do sul para o sudoeste, com a vogal É. Do sudoeste para o oeste com a vogal A. Do sudoeste para o noroeste, com a vogal Ê. Enfim, do noroeste para o norte, com a vogal Ó e aí você fecha o círculo de volta no leste (a última direção, nordeste, fica sem vogal). Você pode fazer parando de direção em direção a princípio, para pegar confiança, depois dá para fazer num movimento só, entoando I-U-Ô-É-A-Ê-Ó. Repete umas três vezes, para garantir, e fica tudo certo.
A distribuição dos planetas aqui acompanha o sistema do Livro Jurado de Honório, um grimório influente de magia planetária, que tem a minha simpatia por manter o mesmo arranjo planetário que a distribuição dos deuses babilônicos nas direções cardeais. Existe mais de uma distribuição possível dos planetas nas direções, inclusive dá para usá-las de acordo com funções diferentes, por isso não precisa entrar em parafuso tentando entender qual é “a distribuição verdadeira”. Mais sobre isso no nosso texto sobre a magia das quatro direções.
A cosmologia clássica com as 7 esferas planetárias, seguidas pela esfera das estrelas fixas e o Empíreo.
Envolvendo-se com as sete esferas.
Na cosmologia clássica, o universo era imaginado como uma série de esferas concêntricas, feito uma boneca russa. Nesse esquema, a Terra ficava no centro, envolvida pelas esferas da Lua (mais próxima) até Saturno (mais distante), naquela mesma ordem de sempre, como se pode ver na imagem acima. Embora a nossa concepção do cosmos tenha mudado no começo da idade moderna, a força mágica dessa simbologia permanece, e as muitas energias e consciências que foram contatadas sob o entendimento antigo continuam respondendo a esses símbolos.
Neste exercício, é recriada a estrutura cósmica das sete esferas planetárias ao redor do praticante (afinal, o que está em cima é como o que está embaixo). É um bom exercício para uso diário, para conexão com a egrégora da magia planetária, para energização e também como parte do processo de ascensão pelas esferas que é um dos modos como a magia hermética utiliza essa cosmologia como um mapa para desenvolvimento espiritual. Mas aí para esse efeito é importante estudar os fundamentos da escola também.
Sentando-se confortavelmente ou em pé, comece visualizando uma esfera de luz lilás2 ao redor do seu corpo. Ponha a língua no céu da boca e respire devagar, em quatro tempos, inspirando e expirando pelo nariz. Sincronize a visualização com o ritmo da sua respiração: inspire e, ao expirar, visualize essa esfera de luz lilás se formando. Inspire e mentalize que, por meio desta esfera de luz lilás, você está entrando em contato com a força da Lua, mantendo a imagem da luz lilás. Por fim, inspire e, ao expirar, entoe a vogal A até esvaziar o pulmão: Aaaaaaaaaaaaaaaaaaa…
Na sequência, recupere o fôlego e visualize uma esfera de luz laranja cobrindo a de luz lilás. Você não vai substituir uma luz por outra, mas colocar uma camada a mais por cima. Mesmo esquema: inspire e, ao expirar, visualize essa esfera de luz laranja se formando. Inspire e mentalize que, por meio desta esfera de luz, você está entrando em contato com a força de Mercúrio, mantendo a imagem da luz laranja. Por fim, inspire e, ao expirar, entoe a vogal Ê até esvaziar o pulmão.
Em cima da esfera de luz laranja, vamos fazer a mesma coisa com uma esfera de luz verde, também formando uma camada em cima da luz laranja. Assim você vai mentalizar que está entrando em contato agora com o próximo planeta, que é Vênus. Desta vez, vai entoar a vogal É.
E assim por diante. Em cima da luz verde, vem uma luz amarela, para o Sol, vogal I. Em cima da luz amarela, vem uma luz vermelha, para Marte, vogal Ô. Em cima da luz vermelha, vem uma luz azul, para Júpiter, vogal U. Depois, em cima do azul, vem uma luz roxa, para Saturno, vogal Ó. Para encerrar, cubra a luz roxa com um branco radiante (a essa altura, você já vai ter enchido o seu espaço inteiro com essa visualização, na medida em que uma esfera vai cobrindo a outra) e entoe o nome divino AEĒIOYŌ, que representa a sequência toda: A-Ê-É-I-Ô-U-Ó. Medite por alguns momentos, mantendo essa visualização, e depois pode continuar com as suas outras práticas.
O chamado dos sétimos
O termo aqui está traduzindo um nome em inglês, no gerúndio, “Calling the Sevenths“, que eu vi pela primeira vez no blog do Sam Block, mas suas origens remontam a técnicas dos PGM, retrabalhadas nos livros de Michael Cecchetelli, Tony Mierzwicki e Stephen Flowers, servindo como parte preliminar de um outro ritual greco-egípcio mais complexo. De novo, ele envolve uma circumambulação no espaço, cantando as vogais, mas agora elas são acompanhadas de certos gestos com o corpo.
Sobre os efeitos desse ritual, um outro ocultista, Darpan Gondlir, no seu blog, comenta: “O efeito mais óbvio desse rito é equilibrar as sete energias arquetípicas dos planetas na aura. Eu imagino cada som como um golpe de martelo no sino da minha aura, que faz com que ela ressoe em harmonia com as esferas planetárias. Eu fico no centro de todas as energias planetárias, cada uma harmonizada dentro da minha própria esfera”. É um ritual útil para ser feito diariamente, a fim de ajudar a entrar no ritmo dos movimentos cósmicos (além de servir para a conexão com a egrégora). Afinal, as coisas ficam sempre muito mais fáceis quando a gente nada a favor e não contra a corrente.
No outro ritual que eu mandei anteriormente, a gente caminha na direção horária. Aqui vamos trabalhar na direção anti-horária. Isso não é um problema, assim como não é um problema o arranjo dos planetas ser diferente em relação às direções. Tem um post bem interessante no falecido blog Voces Magicae sobre essa dinâmica alternada de trabalho horário e anti-horário nos PGM. Eu consegui recuperá-lo na Wayback Machine, mas salvei como .pdf e agora não consigo achar o link, por isso estou compartilhando o .pdf aqui.
Começamos no leste, mas agora o leste é usado como a direção da Lua. O gesto envolve estender ambos os braços para a esquerda. Então, entoe a vogal A.
Volte-se para o norte, agora direção de Mercúrio. Estenda o braço direito à sua frente e entoe a vogal Ê.
Volte-se para o oeste, direção de Vênus. Estenda os dois braços (como se fosse abraçar alguém) e entoe a vogal É.
Volte-se para o sul, direção do Sol. Leve as duas mãos à sua barriga (mais especificamente, eu entendo que é para tocar o plexo solar, na verdade). Entoe a vogal I.
Agora você retorna para o leste, mas voltando-se para baixo, para a terra. Esta é a direção de Marte. Abaixe-se, tentando tocar a ponta dos seus pés. Nessa posição, entoe a vogal Ô.
Levante-se de volta, dirigindo-se ao ar, direção de Júpiter. Leve a mão direita ao coração, entoe a vogal U.
Por fim, olhe para cima, direção de Saturno, e leve as duas mãos à cabeça3. Entoe a vogal Ó.
E é isso. Este é um ritual supersimples, fácil de incorporar à sua rotina, mesmo que você tenha apenas cinco minutos por dia para praticar. Se tiver um pouco mais de tempo, também pode emendar a visualização de se envolver com as esferas planetárias que vimos acima, porque as duas práticas se complementam perfeitamente.
Notas :
- É mais um I com o beiço arredondado, mas U serve (pensa em palavras gregas como húbris/hybris). ↩︎
- O arranjo de cores dos planetas usado aqui é o mais comum da magia planetária, observado em Agrippa e afins. ↩︎
- ĒĒĒĒ MACARENA. ↩︎
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