Antes de mais nada, acho que é bom deixar claro aqui que eu estou usando o termo “feitiçaria” do modo como diversos autores contemporâneos no estrangeiro usam “sorcery”, para descrever atos mágicos que buscam manifestar resultados palpáveis no plano mundano mesmo. Eu poderia falar em “taumaturgia”, em oposição à teurgia, que é a prática mágica para elevação espiritual, mas acho que ficaria obscuro demais para o título.
Se você acompanha aqui os textos d’O Zigurate, provavelmente já se cansou de me ver falando que tem três prioridades para um iniciante na magia. Em qualquer ordem:
- Desenvolver uma relação com o sagrado (seja lá como você conceitualize isso)
- Ter uma rotina de higiene energética
- Dominar algum oráculo
Nenhum desses itens está ligado a qualquer tradição específica, e você pode se orientar pelo que tem maior afinidade. Não importa como você se engaja com o sagrado, o Divino, se o enxerga na natureza ou em Deus ou vários deuses, no Tao, na mente do Buda, no Kia, etc – o importante é que essa relação exista. Esses conceitos, obviamente, não são Tudo a Mesma Coisa, mas há uma função crucial aí em estabelecer um horizonte para o praticante em algo que está acima do indivíduo, a partir do qual é possível receber a energia que vai alimentar o seu corpo espiritual (vide o texto da semana passada sobre os nossos corpos sutis). Sem isso, simplesmente não tem como fazer qualquer prática mágica de alto nível.
Sobre higiene energética, já falamos disso aqui num texto mais antigo. Num mundo ideal, todo mundo deveria saber fazer limpeza energética em algum nível, nem que fosse, pelo menos, para lidar com a própria sujeira – afinal, quando a gente não faz isso, ela passa a ser problema dos outros. Para um praticante de magia, então, a importância da limpeza é multiplicada. Realizar um ritual no meio da sujeira é como tentar fazer uma cirurgia numa fossa séptica.
Por fim, os oráculos são a forma mais fácil de receber comunicações do outro lado. Por “oráculos”, eu me refiro a métodos divinatórios como cartomacia, geomancia, runas, I-ching, bibliomancia, dados ou outro (também temos um texto mais antigo sobre isso, de escolher com qual oráculo você quer trabalhar). Claro que, para quem tem uma clarividência boa, tem muita informação que dá para obter por meios mais diretos, mas ainda assim os oráculos continuam úteis. No caso, a minha recomendação é usá-los não só porque servem para tratar de questões mundanas, mas principalmente para tratar do espiritual. Assim dá para ter uma ideia do ritmo em que está seguindo o seu desenvolvimento, das influências espirituais ao seu redor num dado momento, do possível impacto (positivo ou negativo) que uma prática pela qual você se interessa vai ter se você de fato decidir adotá-la. Com qualquer coisa, na dúvida, você oracula.
O iniciante pode, por exemplo, se interessar por magia angelical – nesse caso, aliás, vale frisar que temos um curso sobre isso com vagas abertas (link aqui), começando neste fim de semana. A magia angelical é uma prática profunda, existem centenas de anjos conhecidos que podem ser invocados para você trabalhar com eles, e quanto mais você se dedicar a invocá-los, mais forte vai ser esse trabalho em termos de resultados no plano material e transformações internas.
É possível se interessar pelo trabalho com um dado panteão ou uma deidade específica daquele panteão. Eu mesmo, como sempre lembro aqui, trabalho com o panteão mesopotâmico, e tenho construído diversos rituais alinhados a essa força, além de ter montado um curso de teurgia que eu ministrei pela primeira vez este ano. O Petter Hübner, que foi nosso convidado aqui no ano passado, tem tido resultados interessantíssimos no desenvolvimento de seu sistema de trabalho espiritual com o panteão grego, o Rhizesta. O trabalho com deidades é também bastante profundo e pode, muito bem, ocupar várias vidas sem se deixar exaurir – inclusive o trabalho com uma única deidade. O Jason Miller, aliás, oferece todo um curso, a longo prazo, centrado apenas no trabalho com Hécate, o Sorcery of Hekate. E no budismo Vajrayana, há iniciações em deidades específicas, como Tara e Vajrakilaya, assim como temos as iniciações para Orixás específicos nas religiões de matriz africana. Esse tipo de trabalho implica um compromisso sério.
Você também pode ir atrás de técnicas de manipulação energética, como a Cura Prânica – uma escola que já vai, de cara, suprir as três ferramentas básicas do magista de que eu falei acima, além de oferecer todo um trabalho de desenvolvimento espiritual1. Você pode estudar e praticar magia astrológica, magia elemental, magia cabalística, magia enoquiana, magia de grimórios – do Arbatel à Ars Goetia às inteligências de Franz Bardon (um outro sistema incrível, diga-se de passagem). Há diversas tradições e correntes espirituais que são válidas, que dão resultados e às quais vale a pena se dedicar.
Porém, aí que está a palavra-chave: dedicação. Estamos falando de trabalhos que, como disse, são profundos, que recompensam o tempo, o estudo e o esforço que você aplicar. Porém, eu sei que, com frequência, não é exatamente isso ainda que o iniciante está procurando num primeiro momento. Imagino o caso do iniciante hipotético que acabou de dominar essas três prioridades básicas, que ainda está se encontrando e por isso não quer se comprometer com um trabalho a longo prazo, ao mesmo tempo em que gostaria (e com razão) de já poder fazer alguma coisa que possa trazer resultados. O que essa pessoa poderia fazer?
Se vocês acompanham o site, sabem que eu não sou contra feitiçaria ou magia de resultados, pelo contrário – we are living in a material world, já dizia a Madonna. E aí por isso, a não ser que você queira virar monge, todos temos que ser um pouco material girls. Não há mal nenhum em acender umas velas para ajudar na procura de emprego, com os estudos ou para pedir proteção, mas, considerando essa dimensão vertiginosa de possibilidades mágicas, é nesse momento que muita gente acaba caindo nuns buracos de magia fast-food.
Eu penso mais especificamente num Gallery of Magick da vida. Ao pegar um livro desse pessoal para ler, o que a gente recebe são fórmulas prontas com propósitos predeterminados. Por exemplo: em Archangels of Magick, tem um talismã para “melhorar a clareza mental”. Ele é composto por dois círculos com algumas fórmulas no alfabeto hebraico inscritas neles (Agion Tsabotsiel, etc), que você ativa por meio de uma sequência de ações que envolve um ritual preliminar, concentrar-se no talismã e recitar essas palavras. Todos os talismãs no livro funcionam assim, mudando apenas as fórmulas de um para o outro.
Esse tipo de magia funciona? Não posso falar por experiência própria, mas tudo indica que sim. Só que é um jeito preguiçoso de fazer magia. É como fazer as coisas por meio de um app que outra pessoa compilou e que você apenas usa, um pacote pronto, fechado e impenetrável. Ele diminui a agência do praticante, que é reduzido a um consumidor, que nem mesmo sabe o que está ali. E tem alguns problemas nisso. Primeiro que quem vende esse tipo de trabalho pode colocar qualquer coisa nesses talismãs, e você tem que confiar que não vai baixar o equivalente espiritual de um malware para minerar criptomoeda no seu sistema quando for rodá-lo – não acho que seja o caso do Damon Brand e companhia, mas já vi muita pilantragem no meio ocultista brasileiro, e quem brinca com servidores de uso compartilhado corre seriamente esse risco. Depois, tem coisas que eles afanaram de outros autores sem darem os devidos créditos (que feio), como apontou o Foolish Fish, num vídeo bem interessante sobre esses livros. Mas acho que o pior, para mim, é o fato de que, quando a gente é colocado na posição de mero consumidor, a gente não cresce.
Ao aprendermos uma prática mágica, a gente se familiariza com aquele repertório simbólico e consegue, uma hora, chegar a aplicações dele que podem até ser novidade, que não estão em livro nenhum, mas que são novidades embasadas naqueles fundamentos – um exemplo disso sendo o que o Damien Echols faz com base no sistema da Golden Dawn em seu Angels and Archangels. Com magia fast-food que já vem pronta, você pode ficar a vida inteira fazendo aqueles rituais que você nunca vai aprender a elaborar nada próprio, porque esse formato não permite.
Agora, OK, chega de palestra. Vocês vieram aqui para ter uma ideia do que dá para fazer, enquanto iniciante, sem depender desse tipo de magia pré-fabricada, sem precisar de toda uma parafernália de magia cerimonial e sem correr os riscos que uma prática mais perigosa (como Goécia) pode trazer. Aqui eu vou dar três exemplos. Obviamente não é uma lista exaustiva, mas acho que pode ajudar quem está começando:
Magia natural
Dá para fazer muita coisa só com uma vela num alguidar aninhada num punhado de ervas. Durante bastante tempo eu meio que (estupidamente) ignorei a magia natural, porque, bem, morei anos em apartamento, né, primeiro no centro de Curitiba, depois no centro de São Paulo, aí de fato fica difícil mexer com magia natural nesse contexto. Mas esse é um mundo que eu venho explorando cada vez mais, recentemente, e acho fascinante.
Se você tem condições de plantar as suas próprias ervas, isso já é mágico por si só, e criar uma relação com o espírito da planta faz a diferença na hora de conduzir esse trabalho. Mas também dá para trabalhar com ervas secas que você pode comprar num empório de itens naturais (e o Adriano Erveiro, em seu Rituais com Ervas, inclusive, passa uma reza para ser feita para ativar as propriedades de ervas secas). Recomendo começar experimentando com rituais de velas e talismãs simples de ervas em saquinhos e garrafas de vidro, depois passar para banhos, que são mais arriscados (ao trabalhar com banhos, por favor procure um bom professor, não invente coisas da sua cabeça). Nesse processo, você vai aprender as propriedades e correspondências das ervas, o que dá e não dá para combinar, o contexto em que cada erva é útil, quais ervas substituem outras ervas, etc, e esse conhecimento só vai ficar mais útil conforme você avança em seu caminho.
Pedras também se enquadram dentro do conceito de magia natural, aliás. Só que, ao meu ver, para se fazer um bom trabalho com pedras é importante dominar técnicas de manipulação energética, programando-as para fazerem o que você quiser que elas façam e energizando-as, como vimos em nosso texto anterior sobre o assunto. Eu já obtive resultados bastante impressionantes com pedras, e dá para combinar ainda com o trabalho com ervas.
Magia com o tarô
Eu sou um grande entusiasta desse tipo de magia. Oráculos fornecem um repertório simbólico que é útil para fazermos a leitura dos padrões sutis que estão atuando sobre uma dada situação, mas não só isso – esse repertório simbólico pode ser usado, inclusive, para induzir esses padrões.
Como você já vai ter que aprender algum oráculo como parte do seu treinamento básico, e o tarô é, de longe, o oráculo mais popular que existe em nosso contexto, por que não fazer magia com ele? Com 78 lâminas, o tarô abrange tantas situações em potencial de nossa vida que é difícil pensar num evento que não possa ser descrito por um ou mais arcanos. O exercício de tentar traduzir uma situação desejada numa série de cartas para um ritual nos ensina não apenas técnicas mágicas (foi nessas que eu aprendi, na marra, o tamanho do impacto na nossa vida de se utilizar uma carta como O Mundo), mas também ajuda com o processo de se familiarizar com os significados mais profundos das cartas na prática.
Mais uma vez, eu já tratei disso aqui antes, analisando alguns livros de magia do tarô. Existem inúmeras formas de se fazer esse trabalho, que podem ser mais ou menos complexas. O casal Cicero em Tarot Talismans, por exemplo, trabalha com o tarô dentro dos moldes da Golden Dawn e com os 72 anjos cabalísticos e as fórmulas todas desse sistema. Donald Tyson também opera no molde da GD, orientando-se pelo Book T, mas o seu método envolve encenar um ritual utilizando as cartas em si, sem a necessidade de qualquer outra ferramenta. Já a Janina Renee tem uma abordagem mais acessível, meio na base do feitiço pronto com propósitos predeterminados, mas ainda assim oferece a oportunidade de aprender, já que os rituais não são impenetráveis e é possível estudar sua estrutura e a presença das cartas em cada receita.
Vale lembrar que outros sistemas divinatórios, como runas e geomancia2, também são uma excelente base para sistemas de feitiçaria, mas acredito que a popularidade do tarô faz com que ele seja o mais acessível.
Salmos
Há um total de 150 salmos na Bíblia, todos os quais possuem uma série de aplicações mágicas bem conhecidas na tradição esotérica. Na magia judaica, o Sefer Shimmush Tehilim é um livro bastante antigo que compila as funções de cada salmo e como usá-lo – por exemplo, para “sucesso no geral”, recitar três vezes o salmo 4 antes do amanhecer, etc. Posteriormente, ele viria a servir de base para as práticas de salmos no Hoodoo, como se pode ver num site como o do Association of Independent Readers and Rootworkers. No ocultismo cristão da Europa, vemos salmos em toda parte, mais marcadamente em grimórios como a Clavicula Salomonis, o Enchiridion do Papa Leão III e o Livre d’Or. E até mesmo no mundo árabe tem o Dallāl al-mazāmīr, que é um grande manual de uso mágico dos salmos para árabes cristãos (mas que talvez fosse usado por muçulmanos também).
Assim como você com certeza vai achar uma carta de tarô ou combinação de cartas para cada situação, é bem provável que ache também um salmo ou combinação de salmos que sirva aos seus propósitos. E os salmos podem ser utilizados de várias formas: dá para recitá-los apenas, mas também usá-los como mantras, em talismãs (em que o versículo relevante é copiado para o papel) e feitiços simpáticos que envolvem a manipulação de materia magica (no caso do Dallāl al-mazāmīr, por exemplo, ao se usar o salmo 1 para fertilidade, seu texto é copiado e plantado junto com uma árvore). Em todo caso, de novo, o trabalho com os salmos é diferente de magia fast-food, porque, embora cada salmo tenha suas aplicações definidas, a exploração desse sistema de magia oferece um entendimento cada vez mais profundo desses textos, que é útil ainda para outras práticas, como a magia angelical.
Mais uma vez, eu já tratei da magia de salmos antes no site (eu faço tudo por vocês, né), como podem conferir aqui. No caso dos salmos, claro, existe aí a exigência de que você precisa, pelo menos, ter alguma tolerância à egrégora abraâmica. Para quem tem trauma de igreja talvez seja meio difícil… mas tudo bem, tem outras coisas que dá para fazer, como podem ver.
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E é isso, gente, temos aqui hoje três exemplos de tipos práticas mágicas que são acessíveis ao iniciante e dão resultados sem sufocar a criatividade e o aprendizado mágico, sem depender da obra de um autor específico e sem reduzir o magista a um consumidor passivo. Essas práticas, inclusive, com um pouco de experiência, podem ser combinadas – no Hoodoo é muito comum rituais de ervas junto com a recitação de salmos, há versículos de salmos que podem ser ligados aos arcanos do tarô por via dos seus anjos, e os arcanos podem ser associados a certas ervas por via das suas correspondências planetárias e elementais. Eu não menosprezo a importância de se obter resultados no plano mundano e não acho que um iniciante não possa ser bem-sucedido nisso. Só acredito que é importante buscar esses resultados de um modo que seja produtivo para o seu crescimento enquanto magista.
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(A Meditação dos Corações Gêmeos trata da parte da conexão espiritual, toda a técnica gira em torno de limpeza dos nossos corpos sutis e, embora não tenha o que seja oficialmente um oráculo, há uma forma disso na técnica da medição de energia com as mãos. E tudo isso é oferecido logo no curso básico da escola. Por esses motivos, embora não se apresente como uma escola de magia, a Cura Prânica oferece recursos extremamente úteis para qualquer um que tenha interesse em se desenvolver como magista. ↩︎
- Para quem tem interesse em magia geomântica, o Dr. Al Cummins vende um curso sobre isso em seu site, além dos cursos mais introdutórios à geomancia. ↩︎
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