Práticas com a percepção dos corpos sutis.

Semanas atrás eu publiquei aqui um texto contendo uma introdução às divisões dos nossos corpos sutis, com a ideia de que eles são veículos para nossa consciência explorar as diversas camadas da realidade e tudo o mais. Eu gosto muito desses conceitos e acho que são interessantes, especialmente para quem está chegando agora no ocultismo. Porém, sem uma técnica funcional para ancorá-lo na prática, um conceito interessante não passa de uma curiosidade, não é mesmo? Por isso, eu quero dedicar o texto de hoje a discutir o lado prático dessa questão.

Vamos começar com um exercício que eu passo para os meus alunos do curso de Introdução Prática à Magia: o de percepção dos corpos sutis.

Franz Bardon descreve os nossos corpos como se fossem uma série de luvas (também poderíamos compará-los a uma boneca russa), com os corpos mais sutis contidos dentro dos mais densos: o espiritual dentro do mental, dentro do astral, dentro do físico/etérico1. Por meio da visualização desses corpos, um dentro do outro, é possível começarmos a percebê-los, o que tem certos efeitos para nossa prática.

OK, mas como fazer isso?

Então, é aquilo, né, a instrução básica desses exercícios todos que é a de começar fechando os olhos e relaxando, respirando devagar de lá do baixo ventre, de uma forma profunda e constante, sem pressa. Se você já fez qualquer prática assim, sabe como funciona. Esse exercício em específico eu prefiro fazer sentado ou em pé. Sinto que deitado fica bem mais difícil.

Primeiramente, você vai sentir seu corpo físico, prestando atenção a todas as sensações físicas: o ar entrando e saindo, a sensação da pele contra a roupa, a pressão do corpo sobre a cadeira, a temperatura do ar, cheiros, o gosto na sua boca, sensações de fome, dor, cansaço etc. Mantenha essa concentração por alguns instantes, depois visualize que dentro desse corpo físico há um corpo mais sutil, como se o físico fosse uma luva. Esse corpo mais sutil dentro do físico é o corpo astral. Você pode visualizá-lo como uma cópia do seu corpo físico feita de luz colorida (a cor pode ser a primeira que vier à sua tela mental). Agora você vai prestar atenção aos seus sentimentos, seu “estado de espírito”, por assim dizer. O que você está sentindo nesse momento? Alegria? Ansiedade? Tristeza? Medo? Apreensão? Tranquilidade? Entre em contato com essas sensações e mantenha essa concentração por alguns instantes, depois prossiga, visualizando que dentro desse corpo astral há um corpo de luz ainda mais sutil, que é o mental. Aqui você presta atenção no seu estado mental, óbvio. Como andam seus pensamentos ultimamente? O que tem povoado a sua cabeça? Mantendo essa concentração e essa visualização (corpo mental dentro do astral dentro do físico), passamos para a última parte, o mais sutil, que é o corpo espiritual, ligado a um cordão que dispara pelo céu do topo da sua cabeça. Mantenha essa visualização dos corpos um dentro do outro por alguns instantes e depois pode abrir os olhos.

É muito provável que, ao abrir os olhos, você sinta certa estranheza, o que eu vejo como um sinal de que você fez o exercício direitinho. Para mim, a sensação predominante ao retornar é a de que os movimentos parecem estranhamente coordenados, como se os braços estivessem sendo movidos não pelo corpo físico, mas por uma cordinha de marionete. Com o tempo isso passa, mas nesse primeiro momento da prática, é uma sensação perfeitamente esperada.

Esse exercício faz algumas coisas. Antes de mais nada, ele permite entrar em contato com os seus vários corpos. Se você pretende usá-los magicamente (como para viagem astral), tomar consciência e se conectar com eles é um bom primeiro passo. Alguns alunos iniciantes relatam para mim alguma dificuldade nas etapas finais, sobretudo a de sentir o corpo espiritual. Essa dificuldade pode ser uma dificuldade inicial só com o exercício mesmo (ou de visualização no geral), mas também pode ser sinal de uma necessidade de fortalecer esse lado espiritual (já já vamos falar da questão desse tipo de alimento).

Um outro efeito diz respeito à coordenação dos corpos. No texto anterior, eu falei de como às vezes a gente fica disperso: você pode estar fazendo alguma coisa no plano físico, mas com a cabeça em outro lugar e o coração também. É normal e comum em nosso estilo de vida, até mesmo porque tem atividades que só dá para fazer tendo algo com o que se distrair, mas tem que tomar cuidado, porque é muito fácil a gente entrar em conflito consigo mesmo e cometer acidentes nesses casos, por conta dessa falta de presença. Esse exercício é útil para recuperar o foco, se alinhar e até mesmo tentar entender o que está acontecendo, porque não é raro a gente sequer se dar conta de que está disperso, de tanto que se normaliza isso.

Para magia, eu nem preciso falar, não é? Esse exercício é a primeira coisa que eu ensino, porque é uma prática útil de ser feita antes de qualquer outra, já que o ritual mágico é justamente o momento que exige a nossa concentração completa. Se você tem o hábito de fazer afirmações, é possível incluir essa prática para acrescentar mais peso e intencionalidade ao que você diz. Tendo entrado em conexão com todos os corpos, você começa indo ao corpo espiritual e derivando dele a fagulha de vontade que está por trás da sua afirmação e, então, descendo ao corpo mental, lá essa fagulha vai ser revestida em palavras. Essas palavras descem ao corpo astral, ganhando força pelo envolvimento emocional, até enfim saírem pela sua boca no corpo físico2. Tudo que se diga dessa forma será muito mais eficaz, magicamente, do que algo que palavras ao vento ditas sem prestar atenção nelas.

(Se vocês gostaram dessa técnica, eu devo abrir turma de Introdução Prática à Magia de novo em janeiro, e aí a gente conversa. Por ora, vale avisar que temos vagas abertas nos cursos de dezembro de MAGIA TALISMÂNICA e para o MÓDULO II de MAGIA ASTROLÓGICA)

Ter a percepção dos seus corpos pode também ser um auxílio meditativo. No texto anterior, falamos de as pessoas se identificarem com certos corpos e… bem, apesar da possibilidade de os corpos serem fontes de experiências agradáveis, essa identificação é uma causa de sofrimento. Se você se identifica com o corpo físico, primeiramente, o estrago mental dos padrões de beleza e todo o resto, que são um dos flagelos da nossa época, vai ser imenso. Mas, pior do que isso, o corpo físico está fadado ao envelhecimento, à falha, à decadência. A gente até pode retardar algumas coisas e se esforçar para contornar alguns problemas da velhice, mas a decadência e a morte são inevitáveis, e o medo da morte acaba sendo inevitável também se for levar isso às últimas consequências. Daí que as pessoas procurem desesperadamente soluções absurdas em delírios de criogenia, pós-humanismo, “a singularidade” etc. De uma perspectiva espiritual, é tudo meio patético, fruto da imaturidade (era de se esperar que as pessoas chegassem à idade avançada mais sábias, mas, como dizem lá no Choque de Cultura, tem que acabar a ideia do idoso sábio, com os anos dá para acumular burrice também).

Há quem se identifique com o corpo astral, a fonte das emoções, o que também é uma cilada, porque as emoções são incontroláveis. Sua vida nesse caso vira uma montanha-russa, o que é profundamente desagradável, até para quem olha de fora… mas, pior do que isso, essas pessoas às vezes se acostumam tanto com esses altos e baixos que passam a procurar sarna para se coçar. Se a vida fica estável, elas vão atrás de dor de cabeça, porque essas emoções também viciam.

E, por fim, a identificação com o corpo mental é a mais difícil de quebrar, porque, como não se identificar com os seus pensamentos?

A resposta é pela meditação.

Quando a gente medita, fechando os olhos, concentrando-se na respiração e apenas observando os pensamentos, fica mais fácil descolar a sua consciência da parte dela que é responsável pelos pensamentos, porque, como você logo conclui, os pensamentos parecem brotar por conta própria. Você não quer pensar nesse momento, você tenta não seguir na direção indicada pelos pensamentos, mas acaba pensando ainda assim, porque seu corpo mental tem algo como uma “vontade própria”, suas fomes e desejos. Ter essa percepção de que você não é a sua mente é a parte mais difícil, mas dá para chegar lá com uma prática constante de meditação.

Há uma prática da Cura Prânica que é chamada de Afirmação da Alma (link no site do Instituto Pranaterapia aqui). E essa afirmação diz, em ordem: “eu não sou o corpo, eu não sou as emoções, eu não sou os pensamentos, eu não sou a mente. A mente é apenas um instrumento sutil da alma”. Quando fazemos essa afirmação, é como parte desse esforço para quebrar a identificação com os corpos físico/etérico, astral e mental, nessa sequência. E isso não é algo que dê para fazer da noite para o dia, nem um trabalho que vai ser feito e pronto, mas um processo, um esforço na direção desse objetivo que vai ter lá seus avanços e retrocessos. Só que todo progresso que a gente faça nesse sentido já vai ser válido e fazer a diferença em termos da conquista de uma paz de espírito duradoura, inclusive na hora da morte. Obviamente, para quem tem interesse, eu recomendo demais fazer a Afirmação da Alma como parte de uma rotina espiritual, junto com práticas de meditação.

Rainbow Buddha, arte de Mary DeVincentis

Para encerrar, eu gostaria de dizer (ou melhor, citar) algumas palavras sobre o corpo espiritual e o seu alimento. No final do texto anterior, eu concluí que “a única forma de nutrir essa parte de nós é buscando um caminho espiritual”. Echols, em seu Angels and Archangels, usa um termo parecido que é spiritual sustenance ou sustento espiritual, em português. Na seção intitulada “Why angel magick? Material manifestation and enlightenment”, ele afirma:

“Então, para deixar claro, há dois motivos para invocarmos anjos e arcanjos — para manifestação material e sustento espiritual. A diferença entre as duas coisas é bastante simples. Quando praticamos a manifestação, nós invocamos a energia para dentro de nosso espaço ritual e depois a direcionamos rumo a uma outra coisa — por um exemplo, um talismã. Nisso, estamos em essência liberando a energia e permitindo que ela cumpra a sua função no plano material. Quando invocamos buscando sustento espiritual, estamos absorvendo toda essa energia em nosso próprio corpo energético, e isso é o que nos empodera para transcendermos nosso ego e nos tornarmos iluminados. Um benefício adicional de ganhar sustento espiritual é que isso também tem efeitos profundos sobre a nossa experiência do plano físico: nós nos sentimos mais leves, mais felizes e mais contentes; também nos preocupamos menos com as coisas que, no fim das coisas, não importam (redes sociais, dramas de relacionamento etc).”

Conforme Echols avança em seu livro, ele vai ensinando uma série de rituais angelicais que podem ser usados para derivar esse sustento espiritual, como o Celestial Lotus, uma expansão do Ritual do Pentagrama que cerca o praticante com várias ordens de arcanjos. Os rituais de Echols são eficazes, e eu recomendo muito esse livro, mas é claro que há outras formas de se fazer isso: por exemplo, uma rotina de rituais devocionais com uma deidade, o trabalho com mantras, a prática planetária num contexto hermético e, claro, como não posso deixar de mencionar, a Meditação dos Corações Gêmeos.

Vale reparar no que Echols diz a respeito dos efeitos adicionais na experiência do mundo físico. Sentir-se mais leve e mais feliz é uma consequência de um corpo espiritual bem fortalecido e alimentado – porque, como vimos assim fica mais fácil não se identificar com os corpos mental, astral e físico/etérico. E aqui há ressonâncias com o que a Maíra diz, na medida em que a descida da energia divina durante a meditação “limpa e energiza os chakras, nadis e a aura, mudando a vibração do praticante, e isso com o tempo acaba se tornando um ciclo virtuoso: quanto mais limpo o sistema, melhores as vibrações que ele emite e melhores as energias que ele atrai – energias semelhantes se atraem e opostas se repelem. A prática constante também aumenta o poder de foco e concentração, diminui os níveis de estresse e traz paz e alegria, que são características de um cardíaco desenvolvido”.

Quando a gente procura uma conexão com o Divino, seja lá como você conceitualize isso, nosso corpo espiritual é alimentado e fortalecido, assim como os outros corpos são fortalecidos pelas atividades dos domínios equivalentes aos seus planos – o mental pela atividade mental, o físico pela atividade física etc. Aí, claro, o primeiro passo acaba sendo o estudo das tradições místicas e religiosas a fim de resolver esse enrosco inicial de conceitualizar o Divino, o Sagrado, o Numinoso, para começo de conversa. A partir daí, dá para definir os termos em que essa relação vai se dar, o que vai determinar as preces, rituais e outras práticas – e, por fim, a isso se soma o trabalho interno de constante refinamento de si mesmo, como já comentamos em outros momentos aqui. Você pode ser um cabalista, um teurgo politeísta ou um praticante tântrico – por mais que essas diferentes escolas não sejam a mesma coisa, suas tradições esotéricas vão todas trabalhar um conjunto análogo de capacidades, o que inclusive se traduz em efeitos semelhantes sobre o desenvolvimento dos corpos sutis ao longo prazo.

E agora deixo um último aviso: a prática espiritual não é (ou não deve ser) uma forma de escapismo, refugiando-se nelas para evitar os problemas da sua vida. Vocês vão reparar que eu não mencionei nada sobre a dimensão transcendental do fortalecimento do corpo espiritual. Nas várias tradições, costuma haver sim uma promessa soteriológica, a ideia de que o “lugar” para onde você “vai” depois da morte não será de horror, melancolia e arrependimento. Eu prefiro, no entanto, não enfatizar essas coisas para não tirar o foco desta vida aqui. Do modo como eu vejo, esse é o elemento central da metáfora do sustento: esses momentos em que a gente se retira do mundo durante algumas horas por semana para fazer rituais, preces e meditar nos dão força para encontrar formas melhores de lidar com esta vida e com esta pessoa que nós somos neste momento. Ninguém vai encontrar paz do outro lado se não conseguir encontrá-la aqui primeiro.


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